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A Teologia da Cruz

  • Foto do escritor: Resposta Ortodoxa
    Resposta Ortodoxa
  • 22 de abr. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 14 de set.


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"E, quando vós estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas, apagando a escrita de ordenanças que era contra nós, a qual nos era contrária, e tirou-a do meio de nós, cravando-a na sua cruz.
E, despojando os principados e potestades, os expôs à vergonha, triunfando sobre eles em si mesmo." (Colossensses 2.13-15)

A Ortodoxia enxerga a Cruz pela perspectiva da Ressurreição. A Cruz do Senhor é para nós um símbolo supremo de sacrifício e santificação, pois, juntamente com a ressurreição, funcionam como que dois eixos principais sobre o qual se move a vida dos fiéis. Sem a Cruz não há ressurreição.


Pelo fato de a Ortodoxia apresentar uma perspectiva diferente do ocidente acerca da Crucificação de Cristo, é comum dizer que o significado da Cruz é minimizado ou de que ela não possui uma teologia da cruz desenvolvida. Claro que isso é uma bobagem.

É uma diferença sensível em comparação com o ocidente que se concentra excessivamente no sofrimento de Cristo, reproduzindo nisso sua teologia da substituição e expiação, onde Cristo deveria suportar toda ira divina em nosso lugar para aplacar a ira do Pai.

Ambos reconhecem que Cristo morreu por nossa causa e que a crucificação motivou grande sofrimento, mas diferem na forma como enxergam a cruz: enquanto que o ocidente enxerga a cruz como um julgamento de Cristo por nossa causa, a Ortodoxia enfatiza que ela é a Sua vitória por nossa causa.


Em comparação com o protestantismo, o símbolo da cruz como algo positivo é estranho. Para algumas vertentes há a tendência de tomar a cruz como maldição, símbolo de morte e instrumento de sofrimento de Cristo. De fato, a cruz era um símbolo de morte e instrumento de tortura e quem sofria essa pena era amaldiçoado (Deuteronômio 21.22,23; Gálatas 3.13), mas depois que o Deus encarnado morreu como criminoso, tornando-se maldito em nosso lugar, ela se tornou uma fonte de redenção. De instrumento de morte foi transformada em fonte de vida, se tornou um sinal de vitória.


Essa dualidade simbólica também é visível na figura da serpente. É comum enxergar a serpente como um símbolo maligno e demoníaco. Sim, ela possui mesmo esse significado, mas encontramos na Escritura uma serpente prefigurando o próprio Cristo.

Como castigo, os israelitas foram atacados por serpentes venenosas no deserto, matando a muitos. Arrependidos, pedem para que Moisés interceda a Deus para que tenha misericórdia e os livrem da morte. Então, Deus instrui a Moisés para que ele faça uma serpente de bronze e a coloque sobre uma haste para que todos que olhassem para ela fossem curados.


"E Moisés fez uma serpente de bronze, e a pôs sobre uma haste; e acontecia que, se uma serpente mordia algum homem, quando olhava para a serpente de bronze, ficava vivo." (Números 21.9)

Se referindo a esse episódio e à sua crucifixão, Jesus diz:

“E como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado.” (João 3.14)


O Mistério da Cruz

A crucificação de Cristo é também um mistério, pois, estranhamente, a Última Ceia de Cristo precede o Gólgota.

Foi na Última Ceia em que ele institui e serve a Eucaristia; tomando o pão e o vinho Ele declara: “Tomai, comei. Esse é o meu corpo.” E, tomando o vinho: “Esse é o meu sangue.”


Como é possível que Ele tivesse feito isso antes de Sua morte na cruz? Como a Sagrada Eucaristia, na Última Ceia, precede o Gólgota?


Esse é o mistério da Comunhão. A Última Ceia não foi apenas um rito, assim como a Eucaristia não é apenas um “símbolo”, pois como Sumo Sacerdote Ele realiza as duas coisas.

É o mistério da Encarnação, Sua divindade unida à Sua humanidade, inseparável até mesmo na morte. Enquanto Seu corpo repousava no túmulo e sua alma descia ao Hades, estava Ele como Deus no Paraíso, juntamente com o Pai e o Espirito Santo, recebendo Sua perfeita libação.


Pode parecer estranho à visão ocidental celebrar a crucificação como triunfo, pois essa visão geralmente é atribuída ao Cristo ressuscitado, mas para os cristãos ortodoxos é a forma como os primeiros Pais enxergaram a Cruz, como disse São João Damasceno:

“Nós veneramos a Cruz de Cristo, pela qual o poder dos demônios e o engano do diabo foram destruídos.”

A Simbologia da Cruz

A cruz ortodoxa, também conhecida como cruz eslava ou bizantina, possui uma simbologia maravilhosa. Apesar de existir algumas variações representativas, geralmente o crucifixo ortodoxo é apresentado com esses elementos:

No crucifixo ortodoxo Jesus não é representado com uma coroa de espinhos, nem em agonia e sofrimento. Ele é mostrado com um halo de glória e repousando pacificamente. Juntamente à inscrição de Pilatos, em grego “INBI”, é completado com o título: “Rei da Glória”.


Em alguns ícones da Santa Cruz, no topo da Cruz há uma imagem da face de Cristo representada no Mandylion, entre dois anjos e a inscrição: “Anjos do Senhor”.


A barra do meio é onde estão os braços do Cristo pregado na cruz. Em um lado está o ícone da Theotokos e do outro o de São João, o teólogo.

A inscrição, “Filho de Deus” é colocada em ambos os lados da cabeça, assim como a abreviação de Seu nome, “IC XC”. Abaixo dos braços: “Nos prostramos diante de Tua Cruz, ó Mestre, e adoramos Tua Santa Ressurreição”.


Na barra inferior, o apoio para os pés está inclinado, pois, significa o destino de cada um em resposta à Cruz de Cristo, assim como os dois ladrões crucificados com Ele, onde o lado direito da cruz aponta para o alto e o esquerdo para baixo.


Atrás de seus pés estão os muros de Jerusalém e na parte de cima do apoio, a palavra grega “conquistar”, fazendo referência às conquistas de Cristo, assim como a palavra grega “NI KA”, que significa vencer. Dessa forma, a frase se traduz como: “Jesus Cristo vence” (IC XC NI KA).


Em ambos os lados do Seu corpo está uma lança e uma esponja em uma haste, a lança representando aquela que perfurou o seu lado e a haste com a esponja ensopada com vinagre que lhe foi oferecida.


Ao pé da cruz há duas letras representando o Monte Gólgota e, sob à terra, o crânio de Adão com os ossos dos braços cruzados, o mesmo gesto que muitos cristãos ortodoxos fazem no momento de receberem a Eucaristia. A figura do crânio de Adão faz referência à tradição de que Cristo foi crucificado no mesmo lugar em que Adão foi sepultado, sendo Ele o “segundo Adão”, conforme diz a Escritura. (Coríntios 15.45).



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O Sinal da Cruz

Como o instrumento escolhido por Cristo para realizar Sua memorável e vivificante morte, a Cruz ocupa um lugar especial no coração de todo cristão ortodoxo. Compreendemos que este símbolo, outrora um meio primitivo de tortura e pena de morte, agora nos lembra da vitória de Cristo sobre a morte.


Os cristãos ortodoxos fazem o sinal da cruz para afirmar o que cremos sobre Cristo como o Filho de Deus encarnado e tudo o que Ele fez por nós. É uma manifestação externa que ilustra nossa visão de Deus na Trindade (Pai, ​​Filho e Espírito Santo) e nossa crença nas duas naturezas de Cristo (totalmente Deus e totalmente Homem). É, em essência, uma forma física de oração.


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O sinal da cruz cristão, tal como é praticado pelos fiéis e pelo clero, não surgiu "do nada". Da mesma forma, como a maioria das nossas práticas rituais, ele contém um profundo simbolismo e até mesmo a expressão do próprio dogma.


Remontando às primeiras comunidades cristãs, o sinal da cruz tem raízes profundas e sagradas.


Acredita-se que os próprios apóstolos, tendo sido testemunhas diretas da crucificação de Cristo, transmitiram essa tradição como forma de lembrança e reverência.

Os primeiros escritos cristãos apontam para o sinal da cruz como um ato simbólico de fé  — tanto que Tertuliano, um prolífico autor cristão primitivo, observou que os cristãos frequentemente marcavam suas testas com o sinal: “marcamos nossas testas com o sinal da cruz”. E: “Nós, cristãos, desgastamos nossas testas com o sinal da cruz”


Nos primeiros séculos da Igreja, fazer o sinal da cruz era muito mais simples do que o gesto preciso que conhecemos hoje. Os primeiros fiéis traçavam uma pequena cruz na testa ou no ar. À medida que o cristianismo resistia à perseguição e se espalhava pelo mundo, o sinal evoluiu, adquirindo significado adicional e se tornando mais elaborado. Não era simplesmente um ato de piedade , mas também uma marca de identidade, diferenciando os seguidores de Jesus dos demais no Império Romano.


A primeira menção de cristãos fazendo o sinal da cruz remonta ao século II. Na Igreja primitiva, fontes explicam que o sinal era feito apenas na testa e em outros objetos, com apenas um dedo, pelo menos até o século IV. Por volta dessa época, os cristãos começaram a usar dois dedos para fazer o sinal da cruz, cada dedo representando uma das naturezas de Cristo — totalmente Deus e totalmente Homem. Os historiadores acreditam que eles fizeram o sinal dessa maneira para se proteger contra a heresia do monofisismo , que rejeitou o Concílio de Calcedônia (451) e afirmou que Cristo tinha apenas uma natureza divina.


No século IV, sob o aval de Constantino, o Grande , a prática tornou-se ainda mais difundida. Relatos históricos descrevem como Constantino, após sua conversão ao cristianismo, inscrevia o emblema da cruz na armadura de seus soldados. Isso não apenas oferecia proteção divina, mas também unificava seu exército sob a bandeira cristã.


Para fazer o sinal , juntamos os dedos polegar, indicador e médio juntos, simbolizando a Santíssima Trindade — o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Os dois dedos restantes são pressionados contra a palma, representando a dupla natureza de Cristo, divina e humana. Essa configuração ensina muito sem dizer uma palavra.

Em seguida , toco minha testa e me movo para o abdômen, o ombro direito e, em seguida, o esquerdo. Esse movimento não apenas transmite reverência, mas também grava a Verdade em mim. Cada ponto tocado durante o sinal ecoa um pilar da minha fé — a cabeça para a crença, o ventre para o alimento espiritual e os ombros indicando a força para suportar o jugo de Cristo.


Além disso, o ato físico de nos curvarmos enquanto fazemos o sinal serve como um gesto de humildade e adoração. É reconhecer nossa pequenez diante do divino. Ao nos rebaixarmos fisicamente, elevamos o status de Deus em nossas vidas.

O sinal da cruz no cristianismo ortodoxo é, de fato, uma declaração silenciosa, porém profunda, daquilo que defendemos.


Essa prática parece ter sido a prática oficial no Ocidente ortodoxo antes do grande cisma. É importante notar que o sinal da cruz com três dedos se perdeu no Ocidente e hoje é principalmente associado à Igreja Ortodoxa – foi "oficialmente" abolido por uma declaração papal em 1569 em favor do sinal da cruz com cinco dedos, simbolizando as cinco chagas de Jesus.


Da Direita para a Esquerda

Os ortodoxos fazem o sinal da cruz da direita para a esquerda. Como o Senhor separou as ovelhas dos bodes, colocando as ovelhas fiéis à Sua direita e os bodes à esquerda, a Igreja sempre trata o lado direito como o lado preferido. Fazemos o sinal da cruz apenas com a mão DIREITA. O sacerdote, ao abençoar uma pessoa, primeiro toca ou aponta para o seu lado DIREITO e depois para o esquerdo. Além disso, a incensação da Mesa Sagrada no Altar é sempre feita primeiro pelo lado DIREITO; a incensação do iconostácio, da Congregação e da própria Igreja sempre começa pelo lado direito. O sacerdote sempre dá a comunhão com a mão DIREITA, mesmo que seja canhoto. Há outros exemplos dessa preferência pelo lado direito.


A Enciclopédia Católica afirma que, na Igreja Católica Romana, os fiéis faziam o sinal da cruz da direita para a esquerda, assim como os ortodoxos, até o século XV ou XVI.

É importante fazer o sinal da cruz de uma determinada maneira? Em uma palavra, SIM . Não temos autoridade para escolher, à vontade, quais partes da Tradição Cristã queremos seguir.















Fontes:

  • Why Orthodox Christians See Triumph in the Cross — James Peyton – Christian Century


  • Η ΘΕΟΛΟΓΙΑ ΤΟΥ ΣΤΑΥΡΟΥ - George Lakafosis - Ekklisia Online


  • Η ΣΗΜΑΣΙΑ ΤΟΥ ΤΙΜΙΟΥ ΣΤΑΥΡΟΥ ΣΤΗ ΖΩΗ ΤΗΣ ΕΚΚΛΗΣΙΑΣ ΜΑΣ - Apostoliki Diakonia


  • Η ΘΕΟΛΟΓΙΑ ΤΟΥ ΣΤΑΥΡΟΥ - Georgios Soulos - Souleika


  • Богословие Креста и Воскресения - Hieromonge Athanasios Bukin - Academia Teológica de São Petersburgo


  • The Serpents of Orthodoxy – Jonathan Pageau – Orthodox Arts Journal


  • O Mistério da Fé – Met. Hilarion Alfeyev – Editora Vozes

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