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A Profetisa Ana e a Oração do Coração

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    Resposta Ortodoxa
  • há 1 dia
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Metropolita Hierotheos de Nafpaktos e Agios Vlasios, 2014


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No primeiro Livro dos Reis, lemos que Deus cerrara o redor do ventre de Ana (I Reis 1:5).*¹ A consequência direta disso, porém, foi que a porta da fé de Ana se abriu, e sua nobre personalidade e a labuta interior que ela havia realizado vieram à tona. Vamos agora examinar a visita de Ana ao Templo e a oração que ela fez a Deus.

Ana dirigiu-se ao Templo para orar a Deus depois de comer. Quando ela se apresentou diante de Deus, ela abriu seu coração e orou interiormente nele. O sacerdote Eli a viu orando, mas não ouviu nada. Ele olhou para sua boca e viu que ela não estava falando. Esse fato também causou uma profunda impressão no menino de Eli, que pensou que Ana estava embriagada e chegou a repreendê-la, dizendo que ela deveria sair do Templo.*² Ana argumentou, dizendo que não estava embriagada, mas orando a Deus. Então Eli lhe deu a bênção, dizendo que Deus atenderia à súplica que ela fez em sua oração. Ana voltou para casa, cheia de alegria e fé de que Deus ouviria sua súplica, mas também por ter recebido a bênção de Eli (I Reis 1:9–18).

Na passagem supra, a qual descreve a oração feita pela mãe de Samuel, Ana, no Templo, todos os sinais característicos do que é conhecido como oração noética (ou oração do coração) são descritos. Os Santos Padres ensinam que tanto a oração noética como a theoria de Deus existiam no Antigo Testamento. Havia pessoas no Antigo Testamento que alcançaram a oração noética e até mesmo a visão da glória de Deus. É bem sabido que Moisés orou a Deus silenciosamente e Deus lhe disse: “Por que clamas a Mim?” (Êxodo 14:15). Além disso, o Profeta Elias orou depois de colocar a cabeça entre os joelhos, o que indica o método hesicasta de praticar a oração noética. Há ainda a conhecida oração de David: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga o Seu santo nome” (Salmo 103:1). Essas também são expressões e sinais da oração noética.

Deixemos claro que, quando os Santos Padres falavam sobre purificação, iluminação e deificação, eles não diziam isso influenciados pela filosofia grega clássica nem pelo neoplatonismo, mas tinham experimentado e vivido essa realidade. Essa experiência de comunhão com Deus existe —embora reconhecidamente sob formas diferentes— tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. A experiência da jornada do homem a Deus é uma constante em toda a Sagrada Escritura. Se examinarmos muitas passagens da Escritura, veremos claramente que elas descrevem esses estados da vida espiritual. E não tenho intenção de fazê-lo aqui; neste momento, quero eu simplesmente enfatizar que, no caso de Ana, a quem estamos agora considerando, a existência da oração do coração é clara e óbvia. Mais para frente, quando analisarmos em detalhe a vida do Profeta Samuel, veremos também exemplos da theoria de Deus. Por esta razão, acredito que, se interpretarmos a Sagrada Escritura separadamente da vida espiritual que é vivida ainda hoje dentro da Igreja, e que encontra expressão específica nos estágios da vida espiritual (purificação, iluminação e deificação), seremos incapazes de compreendê-la. Assim, acabamos interpretando erroneamente a Sagrada Escritura.

Vejamos as características da oração do coração, conforme foram dispostas no exemplo de Ana.

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Sua alma estava com “amargura” por causa da angústia e da dor. Se relacionarmos esse termo com as palavras “Derramo minha alma perante o Senhor” (I Reis 1:15), percebemos que não se tratava de uma oração “formal”, mas sim sua união e comunhão com Deus. Nas pessoas que têm oração noética, vemos um arrependimento muito profundo. O nous nesse estado não é distraído pelo mundo ao redor através dos sentidos. A oração ligada às lágrimas testemunha a presença da oração dentro do coração. A Sagrada Escritura conta-nos que Ana lamentava e chorava. Os Santos Padres consideram as lágrimas como muito significativas, porque quando há lágrimas, isso é um sinal de que o nous se uniu ao coração. Isso se aplica, acima de tudo, às lágrimas de arrependimento (ou contrição).

A oração de Ana não foi feita simplesmente com os lábios, mas estava ativa em seu coração: “E ela falava no seu coração […]” (I Reis 1:13). Isso mostra que seu nous já havia entrado em seu coração. Todos os esforços do homem se concentram em separar o nous do mundo ao seu redor, para que ele possa retornar ao coração, onde realmente pertence. Na Ortodoxia, temos um método específico para alcançar esse retorno, e ele se chama hesicasmo.

Que o nous de Ana havia entrado em seu coração e estava orando dessa maneira fica claro pelo fato de que o menino pensou que ela estava bêbada de vinho. Ele a disse: “Até quando estarás embriagada?” (I Reis 1:14) É natural que ele pensasse isso, pois ele só estava familiarizado com a chamada “oração racional”, e não sabia nada sobre a oração do coração. Ele não conseguia entender como era possível alguém orar sem falar, sem formular sua oração através de palavras. Aqueles que se esforçam para orar noeticamente às vezes usam os lábios, embora sem dizer as palavras da oração em voz alta. Essa é outra maneira de fixar o nous na oração. É claro que, quando o nous entra no coração, a oração se torna espontânea, sendo assim chamada de oração noética ou oração do coração. Ana não perdeu os sentidos, porque alguém que tem a oração noética é um ser humano completamente normal, pois esse é o estado natural do homem.

A oração de Ana não se limitava a algumas palavras, mas era contínua. A Sagrada Escritura diz: “[…] Perseverando [ela] em orar perante o Senhor […]” (I Reis 1:12). A oração noética é ininterrupta, constante. Ela nunca para. Em particular, há momentos em que é extremamente intensa. É como um rio que às vezes tem água abundante, às vezes menos e às vezes nenhuma. Assim, embora a oração noética sempre crie no indivíduo uma sensação da graça de Deus, ela é experimentada em maior ou menor grau em momentos diferentes. Assim como passamos alguns momentos comendo e sentimos prazer, mas depois todo o nosso organismo é nutrido e, sem que entendamos como, o alimento é transformado em sangue, o mesmo acontece com a oração. Mas mesmo quando essa intensidade se perde, um trabalho eficaz é realizado, sem que a pessoa compreenda racionalmente, porque todo o seu organismo espiritual é nutrido.

Após sua oração, Ana recebeu a bênção do sacerdote: “Vai em paz” (I Reis 1:17). Através da oração noética, a pessoa recebe uma paz profunda e uma liberdade sem limites.

A oração de Ana é, acima de tudo, uma oração noética do coração, a qual encontramos mencionada em toda a Sagrada Escritura.

Nota do tradutor: o primeiro Livro de Reis (I Reis) equivale ao primeiro Livro de Samuel (I Samuel) no texto massorético, do qual todas as Bíblias escritas em português traduziram o Antigo Testamento. Nota do tradutor: embora conste no texto massorético que Eli foi quem acusara a Profetisa Ana de embriaguez, a Septuaginta traz corretamente que este foi um de seus servos crianças.

 
 
 

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